terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

DSN e a DITADURA MILITAR


Texto condensado e mesclado, das obras :

"BRASIL, NUNCA MAIS"
prefácio de D.Paulo Evaristo ARNS.
edições paulinas, SP.

"O MILITARISMO NA AMÉRICA LATINA"
Clovis ROSSI
coleção 'tudo é história'.

"ATAQUE AO SETE DE SETEMBRO"
Roberto Pompeu de TOLEDO
revista 'veja', 13/09/1995




Quando em abril de 1964 os militares derrubaram  JOÃO GOULART  e ocuparam o poder, na verdade estavam dando sequência a uma longa tradição intervencionista que remonta aos séculos anteriores da nossa História.

Ainda antes da proclamação da República e durante a época escravista, registraram-se inúmeras participações de militares em repressões contra lutas populares.

Para se entender melhor o que se passou no Brasil na ditadura militar  (de 1964 a 1985) será preciso retroceder ao término da Segunda Guerra Mundial, quando a elite militar brasileira foi convidada a visitar os Estados Unidos, onde participaram de cursos especializados na 

 DOUTRINA
DA SEGURANÇA NACIONAL  - DSN.



Os regimes baseados na  DSN  não passam de um diabólico invento norte-americano, na medida em que essa doutrina nasceu nas escolas militares dos EUA e se propagou às instituições castrenses de ensino do continente.

É evidente a satisfação com que setores conservadores da sociedade norte-americana recebem a presença institucional dos militares no poder, conforme pronunciamento do Secretário de Defesa  ROBERT McNAMARA, referindo-se à importância do treinamento de oficiais latino-americanos nos EUA :

"  Esses oficiais são os futuros dirigentes dos seus povos, os que têm conhecimentos e os transmitem às suas próprias Forças Armadas. 
    Não é necessário que se insista na utilidade de contar, nas posições-chave, com homens que sabem, por experiência, como fazem as coisas e como pensam os norte-americanos.
   A amizade desses homens tem um valor inapreciável ."

A disseminação dos regimes ditatoriais militares era favorecida pelos cursos que a elite latino-americana fazia nos EUA, onde aprendia a essência da DSN.
Até fins de 1975,  71.651 oficiais latino-americanos haviam passado por alguma escola castrense dos EUA.
A  Escola das Américas, na zona do Canal do Panamá, formou 33.147 desses oficiais em 14 anos.



Ao regressarem ao Brasil, fundaram a  ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA , no governo do General  EURICO DUTRA.

As Forças Armadas, através do golpe de 1964, não implantam de imediato o sistema institucional decorrente da DSN.

Foi à partir do  AI-5  ( Ato Institucional nº 5 )  do General COSTA E SILVA, que a ditadura militar brasileira se transformou na mais acabada caracterização concreta da DSN, segundo o conceito da Escola Superior de Guerra :

" Segurança Nacional é o grau relativo de garantias que, através de ações políticas, econômicas e militares, um Estado pode proporcionar, em determinada época, à Nação sobre a qual tem jurisdição, para consecução e salvaguarda dos objetos nacionais, apesar dos antagonismos internos ou externos existentes ou previsíveis."




 1964
 

marca na História Brasileira um claro divisor de águas e o inicio de uma fase em que se busca suprimir, inclusive fisicamente, toda oposição de qualquer natureza ao regime implantado.




A repressão inicial concentrou-se em duas fases :
a primeira, no governo de  CASTELO BRANCO  (2.127 processados) ;
a segunda, no governo de  GARRASTAZÚ MÉDICI  (4.460 denunciados), à partir de onde seguiu-se a decretação do  AI-5.

A repressão era contra tudo e contra todos.
Ela se mostrou mais presente contra as organizações de esquerda, tais como :

PCB        Partido Comunista Brasileiro
ALN        Ação Libertadora Nacional
PCBR     Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
MR-8      Movimento Revolucionário 8 de outubro
AP          Ação Popular
GT          Grupo dos Trotskistas
PCdoB   Partido Comunista do Brasil
e vários outros movimentos revolucionários estudantís nacionalistas.


Todas essas organizações lutavam por ideais anti-militares e contra o governo : daí a repressão.



A DSN tinha por objetivo investigar e agir contra qualquer manifestação popular ou política que fosse contra o regime outorgado.

Vários órgãos foram criados para manter a doutrina :

GPMI    Grupo Permanente de Mobilização Industrial  ( para controle dos armamentos bélicos )
SNI        Serviço Nacional de Informações
CSN      Conselho de Segurança Nacional
OBAN   Operação Bandeirantes
DOI       Destacamento de Operações de Informações
CODI     Centro de Operações de Defesa Interna
DOPS    Departamento de Ordem Política e Social
entre outros ...



NO  GOVERNO  MÉDICI
 
montou-se um fantástico aparelho repressivo.


O Brasil foi dividido em  Áreas de Segurança Interna, tendo em cada uma delas um  CODI, sob a chefia do comandante da grande unidade do Exército naquela área.

CODI  coordenava as atividades anti-subversivas na área em que operava, centralizando as ações e informações obtidas pelas  Segundas Secções do Exército, Marinha e Aeronáutica, pelas polícias militares, civil e federal.

O  CODI  tinha sob seu comando o  DOI, que podiam ser vários em uma mesma área.

Os  Serviços Secretos  das três Armas  -  CIEX, CISA e CENIMAR -   também coletavam informações.

Completava o sistema o  SNI  e suas agências regionais e as  Divisões de Segurança, obrigatórias em todos os Ministérios e autarquias públicas  -  e sempre chefiadas por um militar.

Resultado dessa eficiência : 
200.000 fichas de elementos supostamente de esquerda  9 da guerrilha ou não ) e aproximadamente  60  "desaparições"  -  essa estranha categoria criada pela  DSN.


" DESAPARIÇÕES  são aqueles que estão nem vivos nem mortos, dos quais tudo o que se sabe é que, em um determinado dia, foram presos por algum órgão repressivo e nunca mais se ouviu falar deles. "



A  TORTURA
 

era um meio de agredir psico-fisicamente o  "reacionário".
As formas traumatizantes da doutrina se repetiam em todo o país, em milhões de cidadãos, mulheres ( e gestantes ), idosos e até em crianças.

Coisas horríveis e terríveis ocorreram sinistramente nos cárceres da ditadura, onde havia até cursos ministrados por militares para os operadores das torturas.

Tortura era um instrumento de ordem.

As mais usadas formas foram :

Pau-de-arara
Choque elétrico
Pimentinha
Afogamento
Geladeira
Sufocamento
Cadeira do dragão
Crucifixão
Envenenamento
Lavagem cerebral
Banho chinês
tortura por insetos e animais, por produtos químicos, por fome e sede...


O limite extremo da tortura se mostra em crianças, gestantes e aos familiares dos  "reacionários", variando desde o estupro até queimaduras e lesões físicas.

Acima desse mecanismo brutal de aniquilamento físico das oposições, funcionou um sistema legal, igualmente  absolutista.






RECEITUÁRIO
 


Fechar o Parlamento  (= Congresso),
intervir na maioria das organizações sindicais,
dissolver as centrais nacionais de trabalhadores,
suspender ou congelar os partidos políticos,
arquivar as urnas :

esse é o receituário comum dos regimes militares inspirados na DSN, embora possa conhecer variações de país para país, ou, mais comumente, de região para região.

A diferença essencial entre a forma com que os militares brasileiros exerceram o poder e a de seus colegas dos países vizinhos reside na manutenção permanente tanto dos partidos políticos como do sistema eleitoral e dos parlamentares  ( houve apenas períodos relativamente breves de recesso forçado das Casas Legislativas, que não alteram a configuração geral




APARÊNCIA CLÁSSICA
 

Preservou-se a aparência do modelo democrático clássico, como o funcionamento dos Três Poderes do Estado, ao mesmo tempo em que se foi atribuindo a um deles  -  o Executivo -   uma soma de atributos que praticamente anulou os demais, particularmente o Legislativo, transformado em uma mera câmara de discursos.

No governo  EMÍLIO MÉDICI  os militares até se apropriam da data nacional :  o 7 de Setembro.
A bandeira, o hino, os símbolos da pátria em geral são colocados a serviço de uma facção : a deles.
Chegam a fazer circular um adesivo em que se via a bandeira e, embaixo, a frase :






Por  "Brasil" , estava claro, devia entender-se  "o regime"  -  mesmo o nome do país eles usurpam.
Quem não gostasse do regime que fosse embora.
O adesivo foi a manifestação suprema da intolerância e da prepotência reinantes naqueles anos.




7 DE SETEMBRO
 

Em 1972, para comemorar o sesquicentenário da Independência, o governo MÉDICI fez vir de Portugal o corpo de  D.PEDRO I.
O governo explora em seu favor a  História do Brasil, assim como antes, na Copa de 1970, havia explorado o futebol.
Tenta-se provocar nas mentes a confusão entre  pátria, chuteira, independência, bandeira e governo, sendo que governo na época significa também  c e n s u r a ,  p r i s ã o ,  t o r t u r a   e quem não gostasse disso que fosse embora.

O 7 de Setembro era deles ;  a Pátria era deles.

E o pior é que  "eles"   continuam  "eles" e  "nós", "nós".  Um de um lado e outro de outro.


Na cerimônia que marcou o mais belo ato do governo  FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, o do reconhecimento pelo Estado de que pessoas tidas como  "desaparecidas"  morreram sob sua guarda, ou sob a ação ilegal de seus agentes, os ministros militares não compareceram.
Foi um gesto tão tacanho quanto era nobre o do presidente, e a prova de que, como naqueles anos,  "eles" continuam  "eles"  e "nós", "nós".

Se "eles" continuam "eles" e a data é deles, pergunta-se então :  faz sentido comemorá-la ?




 NOUTROS PAÍSES SUL-AMERICANOS


O modelo econômico e político aqui implantado após 1964  não foi um fenômeno exclusivamente brasileiro, mas sim uma tentativa das multinacionais e dos governos das grandes potências de manterem seu domínio sobre alguns países do Terceiro Mundo que tinha possibilidades de desenvolver suas economias de forma autônoma.

Na América do Sul, o modelo foi implantado, também com apoio externo, no Uruguai, no Chile e na Argentina, sempre através de ditaduras militares extremamente violentas.

Para os povos desses países, o resultado foi lastimável.
Os chilenos, cujo padrão de vida era elevado em termos sul-americanos, passaram a enfrentar uma inflação de até 600 % ao ano !
O Uruguai, que tinha uma economia estável e equilibrada, entrou em crise permanente.
E a Argentina, que chegou a ser o país mais rico e próspero da América Latina, regrediu tanto que em a981 sua produção industrial ficou abaixo da de 1970.


Nestes últimos anos, uma das mentiras mais perversas que se tem impingido à opinião pública brasileira é aquela referente à  privatização.
Aproveitando-se do fato de que o Estado passou a ser ineficiente, afirma-se que a solução do problema é privatizar as empresas estatais e os serviços públicos.
Assim, enquanto todas as atenções se concentram na discussão sobre a privatização das estatais, não se discute o assunto mais importante : a  desprivatização  do Estado, para que o mesmo passe a atuar em favor de toda a sociedade, e não apenas de alguns grupos privilegiados.






NOTA FINAL


No documento emitido pelo Centro de Informações do Exército são revelados alguns desses “colaboradores”, considerados pelos militares como amigos, aliados do regime. Segundo o documento, certos órgãos de imprensa estariam publicando matérias denegrindo a imagem de determinados artistas que se “uniram à revolução (sic) de 1964 no combate à subversão e outros que estiveram sempre dispostos a uma efetiva colaboração com o governo”.
São citados
Roberto Carlos,
Agnaldo Timóteo,
Wanderley Cardoso,
Rosemary,
entre outros.
 in






 

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